CARTÃO DE CRÉDITO






Os abusos com cartões
Como uma arma criada para moralizar os gastos públicos acabou tendo o efeito oposto

O cartão corporativo não existe só no Brasil. Ele é adotado por governos considerados inovadores na administração pública, como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos. Passou a se disseminar por vários países como forma de manter sob controle os gastos cotidianos dos funcionários públicos. Serve para comprar material de escritório, pagar combustível, refeições, passagens, diárias de hotel e toda sorte de despesas legítimas e necessárias para o funcionamento do governo. Além de evitar a burocracia por facilitar pequenos gastos, ele ajuda na fiscalização. Inspecionar extratos de um cartão é muito mais simples que verificar as dezenas de notas fiscais que o servidor público teria de apresentar para comprovar suas despesas pelo método tradicional.

No Brasil, esse dinheiro de plástico, adotado no fim de 2001, tem sido usado com maior freqüência a cada ano. Em 2007, as autoridades e os funcionários do governo federal pagaram R$ 78 milhões de despesas usando o cartão, mais que o dobro do valor registrado no ano anterior. Desse montante, 75%, ou R$ 58 milhões, foram sacados em caixas eletrônicos, para gastos com dinheiro vivo, de difícil comprovação.

O melhor controle é o cartão

A leitura dos comentários de leitores aos textos dos convidados mostra que as reações políticas ao caso acompanham bastante bem as expectativas do público. A maior parte das pessoas quer punição, usualmente qualificada como "exemplar", proibição disto e daquilo e por aí vai.

É exatamente o que os políticos de um lado e outro dizem.Assim, visto que houve irregularidades no uso de cartões por parte de alguns, já tiram a conclusão de que o cartão de crédito é inadequado.

Acabem com o cartão, pedem. Reage então a ministra Dilma e proíbe ministros de usar cartão - como se eles usassem. Na verdade, dos trinta e tantos ministros, só seis tinham cartão. Pois o que acontece é que despesas ministeriais são pagas por assessores. Estes, sim, portam os cartões contra os quais as despesas são lançadas.

Há saques em dinheiro? Proíbam-se os saques em dinheiro. Foi o que fez o governador de São Paulo, José Serra, quanto aos cartões de débito usados pela administração de seu estado (cartões esses que os próceres paulistas querem fazer crer que sejam de alguma forma diferentes de cartões de crédito; trata-se evidentemente da mesma coisa, variando apenas a data em que o fornecedor recebe a grana).

Naturalmente, a medida de limitar ou proibir os saques em dinheiro é mera figuração, e além disso, inviável. Como é que vão pagar um táxi, ou um lanche em Xiririca da Serra? Com cartão? Só em sonhos.

OK, acabe-se com o cartão. E daí? Como é que se vão pagar as despesas correspondentes? Com cheque, dinheiro, conchas, pedrinhas coloridas, algo há de ser. Muda alguma coisa? Claro que não muda. O problema continua idêntico.

Qualquer despesa deve ser controlada, em primeiro lugar, pelo próprio Órgão; em seguida (e por amostragem, porque de outra forma é impossível dado o volume) pelo organismo de controladoria da esfera correspondente; e depois (também por amostragem) pelo Tribunal de Contas respectivo.

Esses controles funcionam mal no Brasil. Mas funcionam muito melhor na esfera federal do que nos estados. Nos municípios, praticamente inexistem controles.

Fora isso, o resto é pueril ou demagogia, ou ambos.


Cartão Corporativo: como utilizá-lo?

O cartão de crédito é um instrumento de pagamento utilizado no mundo inteiro, por pessoas físicas e jurídicas, por governos e iniciativa privada. É indiscutível que o seu uso constitui um procedimento administrativo moderno e mais eficaz do que " as caixinhas " que alguns servidores públicos eram obrigados a manter decorrentes dos "suprimentos de fundos". As facilidades geradas pelos cartões corporativos aliadas aos seus limites e controles precários - desde a implantação em 2001- propiciaram os abusos, da tapioca ao Copacabana Palace.
A essência da discussão retomada neste momento é, ao meu ver, sobre o uso ético dos recursos públicos, debate que Marcus Tullius Cícero travou em Roma , 55 a.C., quando disse que "o orçamento nacional deve ser equilibrado.... e a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada....".

Em tese, todas as vezes em que um funcionário da União, dos Estados e dos Municípios, valem-se de recursos públicos ( financeiros ou materiais) para benefício próprio ou vantagem pessoal, em prejuízo do interesse da sociedade ( que paga os seus salários) estará infringindo o Estatuto e o Código de Ética do Servidor Público, podendo ainda estar cometendo crime de improbidade administrativa.

Os princípios constitucionais da Administraçào Pública são: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Acrescentaria a esses, o princípio da economicidade, sobretudo em se considerando os problemas sociais e as desigualdades que o Brasil possui. Muitas vezes, entretanto, os limites entre o legal e o imoral ou entre o essencial e o extravagante, são tênues.

Não creio que a "liturgia do cargo" exija que uma autoridade hospede-se, sempre, em um hotel cinco estrelas com diárias de até dois salários mínimos e que só possa deslocar-se em veículos oficiais ou alugados. Essa ostentação não tornará a autoridade mais competente nem a fará mais respeitada. Não raras vezes, a mesma autoridade que com recursos públicos se hospeda nos mais caros hotéis do País, quando de férias, viajando com a família, hospeda-se em pousadas ou na casa da sogra...

Um bom conselho para as nossas autoridades federais, estaduais ou municipais, em qualquer época, em qualquer governo, vem do bom senso. Na dúvida, seja austero. Indague a si mesmo se com o seu cartão de crédito pessoal faria exatamente a mesma coisa que pretende fazer com o cartão corporativo. Lembre-se que o Estado não gera qualquer centavo. Ao contrário, utiliza os recursos dos impostos, taxas e contribuições pagos pela sociedade. Em outras palavras, o funcionário público (do mais humilde ao Presidente da República) é pago pela sociedade para agir em nome dela. Se não souber utilizar o cartão corporativo, merece um cartão vermelho.

Quem pensa que o dinheiro público não tem dono, está enganado. Os donos somos todos nós.

O pior são os estados

Os cartões de crédito foram introduzidos sob o argumento de que permitiriam uma redução dos custos de transação em compras emergenciais e/ou de pequena monta. A única forma de avaliar se esse uso tem sido ou não eficiente é pela comparação entre os preços unitários praticados com seu emprego (quanto custa um resma de papel para impressora, por exemplo) e os preços unitários praticados no processo de compra por licitação pública. Tais números comparativos ainda não apareceram, de forma que qualquer opinião a esse respeito será especulação.

O fato de uma ministra ter realizado compras em free-shop com o cartão de crédito não significa necessariamente que todo mundo faça isso, embora a vastidão dos saques em dinheiro (espantosos 75% de todos os gastos saíram assim) não autorize grande otimismo. Para que se consiga determinar a vulnerabilidade dos cartões a esse tipo de desvio de finalidade, seria preciso conhecer os números agregados. Qual é a porcentagem de detentores de cartões que os usaram de forma irregular? Tais números tampouco estão disponíveis.

O fato de as despesas com cartões estarem publicadas no Portal da Transparência (juntamente com praticamente toda a execução orçamentária do Executivo federal, excetuando-se gastos com a Presidência, uma lacuna antiga e absurda) não parece ter estimulado indagações suficientemente agudas a respeito do que fazem estados e municípios. Por exemplo, em São Paulo, estado que gera 32% do PIB brasileiro, cerca de 50 mil agentes públicos portam cartões de débito. Em 2007, as despesas realizadas com esses cartões superaram os R$ 100 milhões (mais do que o gasto com os cartões do governo federal). Quase 45% desse montante saiu como retirada em dinheiro vivo. Minas Gerais é outro estado em que se usam cartões, sendo bem provável que a prática tenha sido adotada em outros estados e municípios. Pois bem: será que os governos desses estados e municípios publicam alguma coisa na Internet? A resposta é não. Governos estaduais e municipais são buracos negros.

Tendo em vista a enormidade de recursos de que dispõe, o governo paulista leva o prêmio de opacidade governamental. Muito pouco de relevante se publica a respeito do desempenho do governo. Já propaganda disfarçada é o que não falta.

Sem informação, não há condições de se realizar controle independente. Nesse sentido, o governo federal está quilômetros à frente.

O problema não é o cartão

O mais novo escândalo que abala o cotidiano do governo e, por que não dizer, da República, tem revelado, no meu entender, uma série de posições e opiniões inadequadas, inconseqüentes e até mesmo bizarras. Estas opiniões e posições têm sido alardeadas por políticos - da oposição e da situação -, pela imprensa e pela opinião do público em geral.

O uso dos cartões corporativos é uma prática difundida em vários países, tanto em governos como em empresas. O problema não está no cartão corporativo, mas evidentemente no uso do mesmo e na surpreendente falta de transparência dos gastos e saques realizados por este meio. Por que razão defino tal fato “surpreendente”?

Ora, venhamos e convenhamos: não há meio mais eficaz e transparente de controle de gastos de funcionários, colaboradores, executivos e executivas, funcionárias e funcionários públicos, do que este. Ademais, o uso do cartão corporativo no governo agiliza a forma de realizar gastos em viagens, no trabalho de cicerone de pessoas oficialmente convidadas para jantares, almoços, etc. Inclusive, isto torna mais razoáveis os procedimentos de saque de dinheiro durante viagens oficiais.

A grande questão é a falta de transparência. Mas há algo mais transparente do que faturas eletrônicas de cartão de crédito. Faturas que deveriam ficar abertas para o público em geral, disponíveis para serem visualizadas nos sites de todas as unidades dos Três Poderes?
A questão que deveria entrar no foco do debate é outra. Não faz sentido pedir somente notas fiscais como comprovantes. Todo mundo sabe como é fácil superfaturar - prática detestável em qualquer organização, aliás - um recibinho de táxi. A solução para o problema dos cartões corporativos no governo está, na verdade, no uso dos mesmos. Deve-se estabelecer um teto máximo de saque para viagens ou atividades relacionadas ao trabalho do burocrata ou do político e as faturas devem ser publicadas on line.

O verdadeiro problema do Brasil é que o Estado brasileiro é um monstro, um Leviathan, lembrando de Hobbes, descontrolado, que suga 40% da riqueza nacional (carga tributária) e não consegue realizar um gasto público mais eficaz, transparente, justo e racional. Mas este é tema para uma outra provocação, apesar de ser o pano de fundo de todas estas discussões sobre corrupção, fraude e uso impróprio dos recursos da República. Aliás, no Brasil, não sabemos realmente o que é uma República.

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