MULHER IDEAL




Ela está por aí, em algum lugar. Basta encontrá-la. O que é a mulher ideal? Digamos que você acabou de jogar futebol. O sol é tão forte que você tem a impressão de que faz barulho. Corajoso, senta gemendo num banquinho e resgata a última energia que sobrou para tirar as chuteiras. E, vejam só, aquilo entre mim e o isopor com as cervejas é uma piscina? Você pula, a água o isola termicamente do inferno, você flutua. Cada parte do seu corpo está anatomicamente envolvida por uma sensação superior. A água te dá colo; você se pergunta se existe andar acima do paraíso. Você pode ficar na piscina o resto do ano, mas e a cerveja no isopor praticamente gritando “ E nós, e nós?”A mulher ideal é assim. Não é física, é etérea. São sensações de bem-estar por estar com ela. Sua cabeça veste no colo dela. Parece que seu corpo foi desenhado nos túneis de vento da Ferrari só para você encaixar cientificamente seu corpo no dela. Ela é indescritível. Você sabe como é cada sardinha e cada pinta do rosto, mas não consegue fazer um retrato falado se ela resolver sumir, cansada da mesma chuteira toda segunda-feira à noite no meio da sala, empesteando de areia e bodum o quarteirão. Idealmente, aparecem quando você menos espera. Pode começar num bar, pode ser na feira. Pode ser numa cirurgia de verruga. Surgem do nada, simplesmente se materializam na sua frente. A personalidade primeiro, depois o perfume, em seguida o senso de humor e – finalmente – o corpo. E, ato contínuo, surge a vontade de saber se ela é de carne e osso e quanta carne você consegue pegar com a mão. Note que a mulher ideal não fica nua. Fica – isso sim – pelada. Porque não se importa em andar sem roupa pelo corredor, de bobe no cabelo, perguntando “Mas pode-se saber onde está meu rímel?” Modelos ficam nuas. Mulheres ideais ficam peladonas. Não têm marca de biquíni não porque sejam nudistas e dispensem o maiô. Elas são lácteas, brancas como o banho de lua da Celly Campello. A mulher ideal fica zonza, jamais de fogo. De cerveja, e ainda bate o dedo naquela bolinha que aparece às vezes no gargalho, para dar sorte. São incapazes de fechar a tampa do Nescau. Fazem um furo no azeite do tamanho do túnel do Canal da Mancha. Mas, mesmo assim, mesmo com esses pecadinhos, tente ficar sem ela por – vá lá – um mês. O reencontro pode ser um soco no diafragma, que sai pelo corpo todo e dói dias a fio, se ela já tiver trocado você por alguém que não jogue a toalha molhada na cama. A mulher ideal é uma procura histórica. Platão, tempos idos, já falava dela. Segundo ele, Zeus estava receoso do desenvolvimento dos humanos, do saber acumulado. Medrava que o homem se desenvolvesse de tal modo que pudesse subir ao Olimpo e tornar-se deus. Um concorrente. Zeus, que não chegou a deus dos deuses à toa, pegou uma faca daquelas bem boas e dividiu o ser em duas metades, homem e mulher, e colocou cada uma num canto do mundo. Mas você acaba encontrando sua outra metade. E, quando encontra, se torna com ela um só, um deus, e ascende ao Olimpo. As mulheres ideais são metades, complementares, vitais. Essenciais.

Lusa Silvestre

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